O seriado “El Chavo del Ocho” estreou na TV TIM, no México em junho de 1971. No Brasil, o programa batizado como Chaves começou a ser exibido em 1984 como parte do programa do palhaço Bozo, na emissora TVS, que depois viria a se chamar SBT (Sistema Brasileiro de Televisão).
Acredito que o restante da história você já conhece — mas, se não for o caso, existem pessoas na imensidão da internet especializadas no assunto. Entretanto, gostaria de compartilhar com vocês algo muito interessante a respeito das trilhas sonoras do seriado, mais especificamente das BGM – Background music.
A história da trilha sonora de Chaves e Chapolin
As músicas extradiegéticas apresentadas no seriado, em sua maioria, não são as originais da série mexicana. Isto porque a empresa MAGA, responsável por elaborar todo o processo de dublagem, à época, não recebeu a trilha original pronta (ou, quem sabe, sem as faixas de áudio separadas) — ou seja, foi necessário utilizar outras faixas de músicas.
É aqui que entra o compositor britânico John Charles Fiddy (1944-2017). Compositor de diversos jingles e trilhas sonoras para seriados, ficou conhecido no Brasil justamente através das músicas que fazem parte dos seriados Chaves e Chapolin.
Algumas das faixas do disco Bruton Music – Kids and Cartoons, de 1979, foram as escolhidas para a trilha sonora. Mas, que fique claro, as faixas não foram compostas especialmente para o seriado. A pergunta que fica é: são as músicas que se encaixam perfeitamente no seriado ou são as nossas memórias afetivas?
Independente disso, podemos dizer que as composições musicais de Fiddy são excelentes exemplos de como criar trilhas sonoras para qualquer finalidade. É a partir dessas faixas que extraímos as lições de composição musical de hoje.
Compondo trilhas sonoras para qualquer finalidade
A primeira lição de Fiddy
Nas composições do álbum, a simplicidade na construção dos temas é algo que chama a atenção. Em sua maioria são músicas tonais em modos maior e menor, mas Fiddy também utilizava como material escalas modais, como é o caso da peça Frightened.
As peças foram compostas com duas técnicas características: uma de construção baseada na progressão harmônica e a outra com base em pequenos motivos rítmico-melódicos.
O exemplo que retrata de forma clara o uso da segunda técnica utilizada no processo composicional de Fiddy, é a faixa Mum, sobre a qual tratarei mais abaixo.
Por isso, a primeira lição que podemos extrair do processo composicional das obras de Fiddy é que a simplicidade é diferente da mediocridade. Fica claro, em suas composições, que cada detalhe é pensado, estruturado e reelaborado conforme a necessidade.
A segunda lição de Fiddy
A segunda lição de composição musical que podemos aprender com Fiddy diz respeito a influência que outros compositores podem exercer em nosso processo composicional.
De forma bem objetiva, a influência é tratada aqui como: a forma como o compositor faz uso de elementos musicais característicos. Um bom exemplo do uso desses elementos pode ser encontrado na faixa Mum, uma das músicas mais lembradas da série, chamada pelo público de “música triste do Chaves”.
Em Mum, a harmonia é apresentada em forma de arpejos com uma mesma estrutura, que pode ser encontrada em mais de uma centena de obras musicais, mas que geralmente é relacionada à Ave Maria do compositor Franz Schubert (1797-1828).
Já a melodia é construída através de uma técnica bem simples: uma construção rítmico-melódica que é transposta de acordo com a harmonia.
Outra faixa, By the River, apresenta uma subdivisão ternária em compasso composto e um acompanhamento musical que é evidentemente inspirado na primeira Gymnopédie de Erik Satie (1866- 1925). Existem ainda relações entre as peças na progressão harmônica (I-IV) e na melodia que, em ambas, é apresentada com uma métrica mais livre.
Escute cada uma das faixas e perceba como existem detalhes interessantes como, por exemplo, a faixa Boys, na qual a frase de conclusão do tema é oitavada (acima) com metalofone. Ou a faixa On The Go, na qual o tema é trabalhado na forma de perguntas e respostas, com alternância dos instrumentos.
A terceira lição de Fiddy
O uso dos instrumentos e a maneira como são eles apresentados diz respeito à orquestração e ao arranjo e, portanto, é a terceira lição que podemos extrair de Fiddy.
Por se tratar de faixas musicais que devem remeter ao imaginário da sonoridade do universo infantil e dos desenhos animados, instrumentos como o xilofone, por exemplo, desempenham papéis distintos. Por vezes, executam a melodia, ou contracantos e ocasionalmente surgem como um gesto musical. A faixa Kids Links é um belo exemplo.
É interessante notar que, em quase todas as faixas, existe a presença de um violão ou uma guitarra (instrumento de Fiddy), um baixo, uma bateria, formação muito comum em bandas de pop/rock dos anos 70 (e até nos dias de hoje, onde podemos encontrar essa formação com o acréscimo de um ou mais instrumentos, como a flauta transversal ou mesmo o teclado). Vale destacar também que estas escolhas aparentemente são timbrísticas.
Conclusão
As lições extraídas das composições de Fiddy fazem parte das minhas análises e observações apresentadas em aulas e cursos de composição musical ministrados de modo remoto.
Caso seja do seu interesse estudar e aprender mais sobre composição, basta entrar em contato com a Têmpora Criativa. Você também pode me contatar para compor obras para finalidades distintas como jingles, trilhas sonoras e afins.
Para finalizar, gostaria de compartilhar com vocês as minhas faixas preferidas do álbum de Bruton Music – Kids and Cartoons. São elas: Playing with Toys, Running Away, By The River e Mum, é claro.
E você? Quais são as suas faixas preferidas?
Compartilhe esse conteúdo à vontade e obrigado pela leitura!