A cena cultural da cidade sonhada por Jaime Lerner ficou em polvorosa quando um dos maiores cineastas de todos os tempos desceu do tubo para lançar Megalópolis, seu mais novo filme: estou falando da visita do controverso diretor e roteirista Francis Ford Coppola a Curitiba, no dia 31 de outubro de 2024. É preciso dizer, aliás, que Coppola escolheu estar em Curitiba para a estreia brasileira do filme — e teve fortes motivos para isso.
Coppola na cidade da Luz dos Pinheirais
Em 2003, Coppola visitou várias cidades consideradas modelo em busca de novas ideias para o roteiro de Megalópolis. Quis o destino, a ironia ou qualquer coisa que o valha que sua inspiração estivesse logo na provinciana capital paranaense, local que abriga as ideias de um grande arquiteto e urbanista chamado Jaime Lerner.
Além de arquiteto e urbanista premiado mundialmente, Lerner foi três vezes prefeito de Curitiba e duas vezes governador do Paraná. Nessas posições, ele pôde colocar em prática suas ideias inovadoras de mobilidade urbana e preservação do meio ambiente. O último mandato de Lerner, como governador, acabou em janeiro de 2003.
Dessa forma, quando Coppola chegou a Curitiba em 2003, encontrou uma cidade para admirar e se inspirar — tanto que, além de ter Lerner como amigo, também se inspirou nele para compor o personagem principal do seu filme.
Depois de aprontar todas em Curitiba, Coppola continuou sua busca por cidades modelo, fechou de vez seu roteiro e passou uns bons anos buscando algum estúdio de Hollywood para financiar o seu filme, mas sem sucesso. Depois de uns anos de insistência, Coppola decide financiar o Megalópolis com recursos próprios.
42 anos escrevendo um roteiro e trabalhando em um projeto
Coppola começou a trabalhar no roteiro de Megalópolis em 1982, num fervilhar de ideias que resultou em 160 páginas de anotações em dois meses. O primeiro rascunho do roteiro nasceu em 1984, reduzido a 103 páginas. Nesse mesmo ano, Coppola começou sua coleção de milhares de recortes de revistas e jornais com informações intrigantes que ele poderia incluir na narrativa.
Uma biografia lançada em 1989 sobre o cineasta alerta: Megalópolis era “tão grande e complicado que parecia impossível” de ser realmente realizado.
Saltamos para 2001, quando Coppola começou a trabalhar nas filmagens de Megalópolis, chegando a ter 36 horas de material gravado — mas seu trabalho foi interrompido pelo ataque às torres gêmeas de 11 de setembro. Parece que falar sobre uma cidade utópica não combinava com tempos sombrios. O cineasta dá um tempo, mas não desiste: em 2003, pediu que Osvaldo Golijov componha “Sinfonia Megalopolis” sem nenhuma ideia de quando o filme seria lançado.
Coppola passa os anos tentando, em vão, financiar a produção do seu Megalópolis. Diante do desinteresse dos estúdios tradicionais em apostar na sua ideia, ele mesmo decide bancar a produção. Em 2019, vende parte das suas vinícolas para pegar um empréstimo de US$120 milhões. As filmagens começam em 2022.
Diante do Poderoso Chefão dos filmes
É esse Coppola que eu saio para ver e ouvir na manhã do dia 31 de outubro. É verdade que, naquela manhã, eu ainda não sabia os detalhes sobre a produção do seu novo filme, mas tinha certeza de que ouviria uma frase ou duas sobre processos criativos. Para a minha sorte, e a de todo o público que fez fila ao redor do Teatro Guaíra para vê-lo, ele nos entregou muito mais do que isso.
Além de ser uma pessoa que fala o que bem entende, acredita que regras foram feitas para serem quebradas e tem uma lucidez incrível aos 85 anos, Coppola deu dicas valiosas de escrita. Enquanto ele falava, eu anotava frases inteiras, em inglês — resultando no material abaixo, que divido com você.
7 dicas de escrita de Francis Ford Coppola
1.
Escreva todos os dias, ou seis dias por semana, caso você queira tirar um dia de descanso. Escolha o horário que você se sente melhor. “Eu escrevo de manhã”, diz ele porque “é tão cedo que ninguém feriu meus sentimentos ainda”.
2.
“Um segredo: escreva e não leia em seguida. Não leia porque você vai odiar o que você acabou de escrever. Não leia até que você tenha uma conclusão prévia, até que tenha a perspectiva da coisa toda”.
3.
Se você tiver uma ideia no meio do caminho, não mude o que você já escreveu, “só continue com a nova ideia. Tente ter uma primeira versão/esboço sem fazer mudanças. Apenas siga em frente”.
4.
“Quando você olhar para o que escreveu, encontre a primeira, a segunda e a terceira coisas de que mais gosta. Coloque a primeira no final, a segunda no começo e a terceira em algum lugar do meio”.
5.
“Você não pode fazer arte sem correr riscos”.
6.
“Faça do seu filme pessoal, a sua visão pessoal”.
7.
Sempre escolha uma palavra para ser a palavra-chave do seu projeto. Assim, quando tiver dúvidas sobre quanto precisa pesquisar, continuar trabalhando ou ideias para cenas, lembre-se da sua palavra-chave para se guiar.