3 recursos poéticos para enriquecer a sua composição musical

3 recursos poéticos para enriquecer a sua composição musical

Cássio Menin

Cássio Menin

Educador musical e pesquisador. Mestrando em Estudos de Linguagens pela UTFPR

A música e a poesia sempre caminharam lado a lado. Desde a antiguidade até os dias atuais, podemos encontrar inúmeros exemplos de uma utilizando recursos da outra. 

E como nosso assunto é composição musical, veremos alguns dos recursos poéticos que podem ser muito úteis na hora de criar aquela letra de música arrebatadora.

Mas, antes de começar, não posso deixar de citar o recurso mais comum, que você já deve dominar (ou pelo menos conhece): é a Rima, ou seja, aquela recorrência de sons correspondentes. Não irei abordar esse assunto aqui — isso porque as rimas valem um artigo à parte. 

Então sobre o que é esse artigo, se não fala de rima? Bom, na verdade a rima é apenas um dos recursos poéticos utilizados por poetas e compositores. Existem outros tão importantes quanto a rima.

Aliteração

A Aliteração, por exemplo, trata da repetição de um mesmo som, ou seja, é a repetição de fonemas idênticos ou parecidos no início de várias palavras na mesma frase ou no verso, visando obter efeito estilístico

Um exemplo comum do uso da aliteração são os populares trava-línguas. Mas lembre-se, a repetição de alguns fonemas em uma frase pode causar certa dificuldade de ser cantada — ou melhor, a frase pode ser difícil de ser pronunciada.

O célebre compositor Paulo Vanzolini, utilizou na sua música O Rato Roeu a Roupa do Rei de Roma, uma aliteração de forma exemplar, veja: 

O rato roeu a ropa do rei de Roma
O sapo saltou do saco
Se sacudiu e sumiu da soma

Tatu, tamanduá, tejubina
Transaram umas trovas
Tolices totais
O vento da vida ventou
E varreu você pro nunca mais

O gato do mato, passando prato
Ai que barato
Cachorro pedindo socorro
Na rampa do morro
E gritando que é zorro

Um pinto muito distinto
Tomando absinto
Em pleno recinto, e o rastro do vento
Puxando pra dentro, do meio de centro
Do nunca mais

Metáfora

A Metáfora é o segundo recurso que trago neste artigo. Muito comum, essa figura de linguagem compara uma coisa à outra, ou seja, é a designação de um objeto ou qualidade mediante uma palavra que designa outro objeto ou qualidade que tem com o primeiro uma relação de semelhança.

A metáfora foi muito utilizada pelos compositores brasileiros no período da ditadura militar. Fazendo uso do recurso poético, os compositores não tinham suas músicas barradas pela censura. 

São muitos os exemplos, mas talvez o mais emblemático seja Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil. 

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue” (repete 2x)

Como beber dessa bebida amarga?
Tragar a dor, engolir a labuta?
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa?
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada prá a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade?
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça

Imaginação

O terceiro recurso é a Imaginação. Quem nunca se pegou pensando naquelas letras e frases incríveis que formam imagens perfeitas na nossa mente enquanto lembramos ou ouvimos determinada canção? 

As letras ou frases que remetem a descrição de algo em uma composição musical criam o que chamamos de impressões duradouras, justamente por estimularem a nossa imaginação. 

Um ótimo exemplo é a canção Chão de Estrelas de Orestes Barbosa e Sílvio Caldas. O próprio título já nos faz imaginar o que seria esse chão de estrelas que os compositores querem expressar. 

Minha vida era um palco iluminado
Eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações

Meu barracão no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro
Foste a sonoridade que acabou
E hoje, quando do Sol, a claridade
Forra o meu barracão, sinto saudade
Da mulher pomba-rola que voou

Nossas roupas comuns dependuradas
Na corda, qual bandeiras agitadas
Pareciam um estranho festival
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional

A porta do barraco era sem trinco
Mas a Lua, furando o nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
Tu pisavas nos astros, distraída
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão

Tenho certeza de que para cada um dos recursos você encontrará centenas de exemplos de composições musicais. Sinta-se à vontade para compartilhar conosco — por e-mail, nos comentários ou em qualquer outro canal da Têmpora Criativa — os que você lembrar.

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