A compreensão da Música Contemporânea sob a ótica do professor H. J. Koellreutter é um campo vasto e complexo que foi capturado, não diretamente pelas mãos do mestre, mas sim destilado através do olhar atento das professoras Bernadete Zagonel e Salete Chiamulera. Fruto da compilação de notas de aulas ministradas por Koellreutter, durante a primeira Oficina de Música de Curitiba realizada em janeiro de 1983. Hoje, nos debruçamos sobre o que, ao meu ver, são as partes mais importantes do livro.
Conceituação e as Ideologias dos Artistas
No livro, a Estética é descrita como o estudo das condições e efeitos da atividade artística. Por conseguinte, esse campo analisa tanto a criação artística em si quanto às reações humanas a ela.
O texto menciona duas perspectivas dentro da Estética: a objetiva, que se refere à conceituação racional da expressão artística, e a subjetiva, que explora as emoções e sentimentos despertados pela arte no indivíduo. A Estética é situada como uma corrente da filosofia, mas é também enriquecida por ideias de outras disciplinas como psicologia, sociologia, física, estatística e teoria da informação.
Desta forma, o texto aponta que, diferentes correntes estéticas, refletem diferentes fases ou aspectos do pensamento humano:
- A abordagem fenomenológica da Estética envolve uma análise subjetiva e interpretativa dos eventos artísticos, considerados expressões de emoções captadas pelos sentidos, sejam elas conscientes ou não. A Fenomenologia, nesse contexto, refere-se à exploração analítica e minuciosa de fenômenos, enfatizando suas características distintivas em contraste com leis abstratas ou realidades subjacentes que representam.
- A Estética Descritiva foca na narração precisa dos fatos artísticos como são observados e confirmados.
- Por sua vez, a Estética Informacional dedica-se ao exame das estruturas artísticas a partir de um olhar semiótico, considerando a arte como um sistema de signos, equivalente a uma linguagem.
- Finalmente, a Estética Normativa é responsável por definir padrões e diretrizes para o julgamento e a valoração da criação artística.
Ideologia do Artista
A concepção de Estética como “ideologia do artista” sugere que a expressão artística é um reflexo e um veículo para suas convicções e valores. Nesse sentido, a abordagem coloca a Estética não apenas como um conjunto de princípios formais ou técnicos, mas como um manifesto da visão de mundo do artista.
Um artista, portanto, é reconhecido não apenas pela habilidade técnica, mas pela capacidade de articular uma ideologia estética própria — um prisma singular através do qual ele enxerga e molda a realidade. É essa ideologia que orienta a criação de uma obra de arte, conferindo-lhe significado e direção e permitindo que a arte não apenas represente a realidade, mas a desafie e a transforme.
Na intersecção entre informar e criar, a arte transcende a mera reprodução do conhecido; ela se torna um ato de comunicação que propõe novas ideias e perspectivas. Assim, a atividade artística é vista como um diálogo contínuo, um meio pelo qual o artista contribui para o discurso cultural e social, provocando reflexão, questionamento e, eventualmente, inovação.
Estética Normativa
No prosseguimento da obra, é detalhado o que Koellreutter denomina como “Estética Normativa”, conforme interpretado pelas autoras. A investigação estética é essencial para fomentar a capacidade de análise crítica do artista. Não existe progresso sem a presença de crítica, seja em qualquer domínio da sociedade. A apreciação de uma obra artística, que é o foco da Estética Normativa, emerge predominantemente de um ponto de vista externo à criação artística. Essa perspectiva é refletida pela comunidade, que pode ir desde o nível mais íntimo da família a grupos sociais mais amplos, e até mesmo alcançar o governo ou a comunidade internacional.
Desta forma, segundo as autoras, Koellreutter afirma que o mérito de uma obra de arte reside na relação entre o criador (o sujeito) e a comunidade (o objeto), assumindo formas que podem ser econômicas, funcionais ou culturais. A comunidade, por outro lado, utiliza três critérios fundamentais para a avaliação artística: a comunicação efetiva da obra, a sua unicidade ou novidade (conhecida como princípio de raridade) e a sua utilidade ou aplicabilidade prática.
Inflexões
A partir deste ponto, vou oferecer um contraponto a alguns trechos do livro.
Comunicabilidade: para que a comunicação se estabeleça, a atividade artística deve servir-se de linguagem compreensível. (p.14)
No meu entendimento, a afirmação de que a arte deve utilizar uma linguagem compreensível para estabelecer comunicação é limitante. A arte muitas vezes serve como um meio para explorar o desconhecido ou desafiar as convenções existentes. O que é “compreensível” pode variar amplamente entre diferentes culturas ou indivíduos.
Princípio da Raridade ou do Extraordinário: necessidade de Informação; válido em todas as sociedades, é o valor máximo da obra de arte. Está intimamente relacionado com a informação (realização de algo novo) que, por sua vez, compreende três aspectos: subjetivo, objetivo e histórico. A informação subjetiva diminui conforme vai se conhecendo a obra, transformando-se em redundância. A informação objetiva permanece, mesmo quando a obra já é conhecida. A informação histórica ocorre quando o compositor cria algo novo em relação a seus antecessores; é valor porque obedece ao princípio da raridade. Ex.: Liszt, em 1885, quando escreve a Balada sem Tonalidade, lança uma informação histórica, porque pela primeira vez, conscientemente, visa ao atonalismo. (p.14-15)
O texto afirma que o “Princípio da Raridade ou do Extraordinário” é válido em todas as sociedades como o valor máximo da obra de arte. No entanto, a apreciação artística é altamente subjetiva e culturalmente influenciada. O que é considerado raro ou extraordinário varia amplamente de uma cultura para outra, questionando a universalidade desse princípio. Já, a distinção entre informação subjetiva e objetiva na obra de arte é apresentada de forma simplista. A experiência artística é complexa e subjetiva, e a ideia de que a informação subjetiva diminui com a familiaridade da obra pode ser contestada, uma vez que a apreciação de uma obra de arte pode mudar ao longo do tempo e com diferentes contextos.
Valor utilitário: a obra de arte deve ter uma função que satisfaça as necessidades do grupo social ao qual é dirigida”. (p.15)
A exigência de que a arte deve satisfazer as necessidades de um grupo social pode ser restritiva. A arte muitas vezes transcende a utilidade imediata ou as expectativas sociais, proporcionando, entre outros, emoções ou experiências que podem não ser inicialmente reconhecidas ou valorizadas.